• 12 Jun, 2025
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A internet não é mais um lugar, é um vício coletivo

A internet não é mais um lugar, é um vício coletivo

Eu sou da geração que viu a internet nascer. Vi ela sair do barulho do discador e chegar no Wi-Fi automático. Vi ela deixar de ser uma sala com computador no canto da casa pra virar o nosso próprio bolso, o nosso travesseiro, o nosso despertador. E no começo, era empolgação: o mundo estava ali, a informação estava ali, os amigos também. Mas hoje, o que vejo é outra coisa. A internet deixou de ser uma ponte e virou um buraco, um buraco onde a gente mergulha sem perceber que tá afundando.

Não sei se você já se deu conta disso, mas a internet parou de ser um lugar que a gente visita. Agora ela é o lugar onde a gente mora. A gente acorda com ela, come com ela, trabalha com ela, dorme com ela. E quando, por algum motivo, a gente tenta se afastar, mesmo que por um tempinho, o desconforto é imediato. A ansiedade bate. Parece que tá faltando alguma coisa. E sabe por quê? Porque a gente não tá mais conectado, a gente tá condicionado.

Essa transição foi tão silenciosa que a maioria nem notou. A internet se infiltrou em tudo. A gente parou de decorar números de telefone, de lembrar caminhos, de ter conversas longas. Tudo virou busca rápida, resposta curta, vício em velocidade. E aí a gente começa a confundir praticidade com dependência. Porque sim, é prático ter tudo na palma da mão. Mas é assustador perceber que a gente não sabe mais viver sem.

Eu mesmo já me peguei checando o celular sem nem saber o que estava procurando. Já acordei no meio da noite pra ver notificação que nem existia. Já perdi horas rolando feed e depois fiquei com aquela sensação de “por que eu fiz isso?”. E eu sei que não tô sozinho. Porque isso é o novo normal. Um normal que a gente não escolheu, a gente só foi aceitando. E agora, parece que sair disso exige um esforço quase sobre-humano.

A internet hoje funciona como uma roleta emocional: em um minuto você tá vendo um vídeo de alguém rindo, no seguinte já é uma notícia trágica, depois um tutorial, em seguida uma indireta que parece pra você... e quando vê, tá mentalmente esgotado sem nem ter saído do lugar. Isso é o mais cruel, ela não só prende nosso tempo, mas também sequestra nossa atenção e, muitas vezes, nossa paz.

A gente entrou num ciclo onde todo silêncio precisa ser preenchido. Fila do banco? Celular. Esperando o micro-ondas apitar? Celular. Banheiro? Celular. Tudo virou desculpa pra mais uma dose de estímulo. E como todo vício, o efeito vai diminuindo. Então o que antes saciava em 5 minutos, agora exige 30. O vídeo precisa ser mais curto, o conteúdo mais barulhento, a imagem mais agressiva. A gente tá, aos poucos, desaprendendo a ficar em paz com o tédio.

Chegou num ponto em que eu precisei me perguntar: eu tô usando a internet ou tô sendo usado por ela? Porque é muito fácil cair na ilusão de que temos controle, quando na verdade estamos apenas reagindo, ao feed, à notificação, à próxima rolagem. E se a gente não para pra refletir sobre isso, acaba entregando nossa atenção, que é o bem mais valioso que temos, pra um sistema que só quer manter a gente rolando.

A saída não é abandonar tudo, nem fazer um detox radical que dura dois dias e vira post. A saída, pelo menos pra mim, tem sido buscar presença. Escolher com mais consciência o que consumo. Desinstalar o que me suga mais do que entrega. Deixar o celular de lado nas primeiras horas do dia. Trocar o automático pela intenção. A internet não precisa ser um vício, mas pra isso, ela tem que voltar a ser ferramenta. E a gente tem que reaprender a ser usuário, não refém.

Eu sei que não é fácil. É desconfortável olhar pra isso de frente. A gente vai resistir, vai arranjar desculpas, vai dizer que “é só pra trabalho”. Mas se a gente parar pra ouvir de verdade o que o corpo e a mente tão gritando, a gente vai entender. O excesso tá nos adoecendo. A gente perdeu o direito ao silêncio, à espera, à pausa. E se isso não é dependência, eu não sei o que é.

Então fica aqui o convite: fecha essa aba. Sai da tela. Fica só contigo por uns minutos. Repara como é difícil, e como isso já diz tudo. A liberdade que a internet prometeu tá aí, mas a gente só encontra quando aprende a se desconectar de vez em quando. E quem sabe, aos poucos, reconectar com o que importa de verdade. Com a vida real. Com a gente mesmo.

E o mais irônico é que a internet vende exatamente o contrário: liberdade, autonomia, acesso à informação. Mas o que a gente vê, na prática, é uma multidão viciada, ansiosa, desconectada do presente. Um monte de gente presa num looping de conteúdo raso, de distração crônica. Todo mundo quer atenção, todo mundo quer engajamento, mas poucos sabem o que fazer com isso depois. Porque preencher o feed é fácil. Preencher a vida? Nem tanto.

Eu comecei a testar umas pequenas fugas desse ciclo. Tipo deixar o celular longe quando tô com alguém. Ou sair pra caminhar sem levar nada. No começo dá um desconforto real, quase abstinência. Mas depois de um tempo, começa a bater uma paz. Uma clareza. Como se meu cérebro, finalmente, tivesse espaço pra pensar com calma. E é aí que percebo o quanto a internet tá moldando até meu ritmo interno. E não, isso não é normal.