Primeiro Você Estuda o Algoritmo. Depois, Ele Estuda Você.
Quando eu comecei a estudar marketing digital, confesso que fui seduzido pela promessa que todo mundo vende: liberdade. Aquela ideia de trabalhar de onde quiser, ser dono do próprio tempo, faturar alto usando só um notebook e uma boa conexão. Parecia simples demais pra ser verdade, e justamente por isso, tão irresistível.
Comecei vendo vídeos no YouTube. Depois vieram os cursos, as mentorias, os “lançamentos”. Era um novo idioma sendo jogado na minha cara: copy, CTA, funil, lead, tráfego pago, SEO, gatilho mental, remarketing. No começo, eu até achava interessante. Mas depois de um tempo, comecei a me sentir pequeno dentro de algo muito maior, e muito mais frio,do que eu imaginava.
Não demorou muito pra eu perceber que o marketing digital não é só uma ferramenta. Ele é quase uma cultura. Um jeito de pensar. Um jeito de viver. Um jeito de medir tudo, o tempo, a atenção, o alcance, os cliques, as conversões. E, inevitavelmente, comecei a me perguntar: onde eu me encaixo nisso tudo?
Eu queria compartilhar ideias, queria construir algo com propósito. Mas toda vez que eu tentava começar, vinha uma voz dizendo: “isso não vai performar bem”. Como se cada pensamento precisasse passar antes por um filtro de aceitação digital. Como se minha existência precisasse ser validada por números antes de fazer sentido.
Foi aí que me dei conta: eu não tava só aprendendo marketing. Eu tava sendo moldado por ele. Meus hábitos mudaram, minha forma de falar mudou, até minha forma de pensar começou a se adaptar à lógica do algoritmo. E isso, de alguma forma, começou a me incomodar.
Porque, veja, não é que o marketing digital seja o vilão da história. Ele é uma ferramenta poderosa, sim. O problema é quando você começa a se enxergar como produto. Quando cada gesto vira conteúdo, cada ideia vira copy, cada momento vira oportunidade de engajamento. E eu, que só queria comunicar algo verdadeiro, comecei a sentir que precisava performar autenticidade pra ser ouvido.
E foi aí que a liberdade prometida começou a se parecer com outra prisão.
Quando Ser Real Não Basta: O Peso de Ter Que Vender o Tempo Todo
Com o tempo, percebi que no marketing digital não basta ter algo a dizer. Você precisa dizer da forma “certa”. Precisa ser rápido, impactante, direto ao ponto. Precisa começar com uma pergunta, criar escassez, prometer transformação. E de repente, tudo que eu queria compartilhar passou a parecer errado. Raso. Lento demais. Bonito demais pra converter.
Comecei a me censurar sem nem perceber. Apaguei posts que não performaram. Reescrevi textos pra encaixar mais gatilhos. Substituí sentimentos por palavras que “vendem”. E foi nesse processo silencioso, quase invisível, que eu comecei a me desconectar da minha própria voz.
Eu me lembro de um dia específico em que tentei escrever um texto simples, sincero, do jeito que eu realmente queria. Escrevi de uma vez só, do fundo. Quando terminei, li e gostei. Mas aí veio a dúvida: “Será que vai engajar?”
Fiquei ali, parado, olhando pra tela. Eu tinha acabado de escrever algo que me representava de verdade, mas estava hesitando em postar porque talvez não rendesse curtidas suficientes.
Ali, entendi o quanto o marketing digital pode nos colocar numa armadilha existencial. A gente entra querendo usar as ferramentas… mas, quando vê, são as ferramentas que estão usando a gente. Você deixa de escrever o que sente pra escrever o que o público quer ouvir. Deixa de mostrar o que vive pra mostrar o que vende. E quanto mais você acerta no algoritmo, mais se afasta de quem você realmente é.
E é cruel, porque ninguém fala disso nos cursos. Todo mundo fala sobre conversão, escalabilidade, ROI. Mas ninguém te prepara pra lidar com a sensação de que você está vendendo pedaços de si mesmo em forma de post.
Te falam pra criar autoridade. Mas não te explicam o vazio de fingir segurança quando tudo o que você sente é dúvida.
Te falam pra gerar desejo. Mas não te mostram o desgaste emocional de viver o tempo todo desejando ser notado.
Nesse ponto, comecei a me perguntar se realmente queria seguir por esse caminho. Porque uma coisa é usar as ferramentas. Outra é deixar que elas definam o que você deve sentir, falar e ser. E entre essas duas coisas… há um abismo.
Desacelerar em um Ambiente que Só Premia Pressa
Chegou um ponto em que eu parei. Parei mesmo. Dei um passo pra trás. Saí dos grupos, fechei as abas, deixei os cursos pausados. Eu precisava entender por que eu, que entrei tão curioso, tão disposto a aprender, estava me sentindo esgotado, travado, emocionalmente consumido. Era como se o marketing digital tivesse me ensinado um monte de táticas… mas tivesse arrancado, no processo, minha intuição.
E talvez esse seja o problema mais silencioso de todos: a gente começa tentando ser estratégico e termina desconectado.
De si mesmo.
Do que acredita.
Do que realmente quer comunicar.
É estranho dizer isso, mas eu senti saudade de mim. Do jeito que eu escrevia antes de pensar em engajamento. De como eu me comunicava quando não sabia o que era funil. Senti falta de errar, de improvisar, de simplesmente falar, sem roteiro, sem CTA, sem fórmula.
Tive que me lembrar de que eu não sou uma marca. Eu sou uma pessoa. Com sentimentos, incertezas, um tempo que não é o tempo do algoritmo. E essa lembrança veio com dor, porque exige coragem pra voltar a ser autêntico num ambiente que valoriza o artificial.
E foi aí que eu comecei a reaprender.
Reaprender que nem todo post precisa converter. Que nem todo conteúdo precisa viralizar. Que comunicar de verdade é mais importante do que performar um personagem que nem eu reconheço mais.
Comecei a escrever de novo, mas dessa vez com menos pressa. Com mais espaço pro silêncio. Comecei a criar sem me preocupar se “vai dar bom”. Comecei a compartilhar o que fazia sentido pra mim, mesmo que não fosse tendência, mesmo que o alcance fosse baixo.
Porque no fundo, eu entendi que o que me afundou no marketing digital não foi o marketing em si. Foi o modo automático que ele me forçou a entrar. A lógica da escassez, da pressa, da pressão constante. A sensação de que, se você não está postando, você está ficando pra trás. Mas pra trás de quem? Correndo pra onde?
Essas perguntas ficaram na minha cabeça. E quanto mais eu pensava, mais percebia: o jogo do marketing digital é infinito. Sempre vai ter uma nova estratégia, uma nova tática, um novo formato pra aprender. Mas a minha saúde mental, minha identidade, minha autenticidade… essas têm limite.
E eu decidi que não quero mais ultrapassar esse limite só pra aparecer no feed de alguém por dois segundos.
Entre Métrica e Verdade: O Que Ainda Dá Pra Salvar
Hoje eu olho pra esse universo do marketing digital com outros olhos. Nem idealizo, nem demonizo. Eu entendi que ele pode ser uma ferramenta incrível, mas que exige atenção constante pra que a gente não vire ferramenta dele.
Porque, no fim, o que mais me assustou não foi a linguagem técnica, nem o algoritmo, nem os números. Foi a forma como tudo isso me afastou de mim. Foi perceber que, na tentativa de ser relevante, eu quase esqueci o que era ser verdadeiro.
E isso me fez pensar em quantas pessoas estão perdidas nesse mesmo labirinto. Gente boa, criativa, com ideias valiosas, mas que se sente menor só porque o post flopou. Gente que silenciou a própria voz porque ela não se encaixava na moldura do Instagram. Gente que acredita que, se não viraliza, não vale.
Eu não quero mais viver nesse ritmo. Não quero mais escrever com medo de não “performar”. Não quero mais transformar cada frase em uma peça de venda. Eu quero espaço pra errar, pra respirar, pra criar com verdade. Mesmo que o algoritmo me ignore. Mesmo que o alcance seja baixo. Mesmo que a métrica diga “não tá funcionando”.
Porque eu entendi que a única métrica que realmente importa é: o que eu estou construindo está me aproximando de mim mesmo… ou me afastando?
Se me afasta, não serve.
Se me esgota, não compensa.
Se me silencia, não é comunicação, é autoabandono.
Por isso, hoje eu sigo tentando encontrar equilíbrio. Usar o que aprendi, sim. Mas com consciência. Com pausa. Com intenção.
O marketing digital não precisa ser uma prisão. Ele pode ser ponte. Mas só se a gente não esquecer quem a gente era antes de começar a tentar vender tudo, inclusive a nós mesmos.
E se você tá lendo isso e se sentiu representado… respira. Você não tá sozinho. Existe vida fora da lógica do conteúdo perfeito. E ela é muito mais leve do que parece.