O grupo da minha família é praticamente um reality show
Eu não sei em que momento os grupos de WhatsApp da família se tornaram uma entidade independente, mas hoje em dia parece que eles têm vida própria. O meu, por exemplo, começa o dia com um bom dia animado da minha tia em letras garrafais, seguido de um vídeo motivacional cheio de flores e música instrumental. Até aí, tudo bem. Mas basta passar das nove da manhã que já surgem memes, correntes religiosas, desabafos políticos e uma discussão aleatória sobre quem não foi no último churrasco.
É como se o grupo fosse um reflexo ampliado da casa da avó no domingo. Tem amor, tem cuidado, mas também tem caos, vozes demais, assuntos que se sobrepõem e gente que entra muda e sai bloqueada. E no meio disso tudo, a gente tenta manter a sanidade, responder com diplomacia e evitar tretas desnecessárias com aquele tio que vive testando os limites da paciência alheia.
Mas o que mais me impressiona é como esses grupos são resistentes. Eles não acabam. Mesmo quando ficam dias em silêncio, basta um aniversário pra serem ressuscitados com força total. E aí voltam os parabéns, os emojis exagerados, as figurinhas personalizadas e os áudios de cinco minutos com voz embargada dizendo que a família é a base de tudo. E por mais que eu revire os olhos, tem uma parte de mim que se emociona. Porque é isso. Família também é isso.
A verdade é que o grupo de WhatsApp da família virou um espaço onde tudo acontece ao mesmo tempo. É confuso, é intenso, mas é real. E por mais que eu pense em sair de vez em quando, sempre tem algo que me faz ficar. Às vezes é um meme bom. Às vezes é aquele “se cuida” inesperado. Às vezes é só o carinho disfarçado de figurinha.
Entre o cuidado e a sobrecarga: a montanha-russa emocional do grupo
Tem dias que eu abro o grupo da família e fico com vontade de sorrir. Outras vezes, de silenciar por um mês. Porque ali tem de tudo. Tem a preocupação genuína da minha mãe perguntando se comi, o bom humor da minha prima que sempre manda figurinha nova e aquele parente que solta uma fake news por dia com a maior convicção do mundo. E como toda família, a gente vai se equilibrando nesse mix de afeto e fadiga.
Às vezes, a intenção é boa. A tia que manda receita com caps lock só quer compartilhar o que aprendeu. O tio que encaminha vídeo antigo falando de remédio milagroso jura que tá ajudando. A avó que manda oração todo dia acredita mesmo que aquilo vai nos proteger. E no meio disso tudo, a gente tenta lembrar que por trás de cada mensagem tem alguém querendo ser ouvido, querendo estar presente, querendo fazer parte.
Mas também tem a parte pesada. Tem hora que a quantidade de conteúdo é tanta que esgota. Corrente pedindo amém, vídeos de origem duvidosa, piadas fora de hora, brigas políticas que começam com uma frase inocente e terminam com parentes saindo do grupo. É o tipo de situação que exige maturidade digital. Porque ali, mesmo sendo virtual, tem laço de sangue envolvido. E ninguém quer ser o responsável por estragar o clima da ceia de Natal por causa de um print do WhatsApp.
É um exercício de paciência diário. Aprender a filtrar, a relevar, a rir mesmo quando não faz sentido. E às vezes, o mais sábio é não responder. Deixar o grupo seguir sua lógica própria, com seus ciclos de silêncio e tempestade, com seus altos e baixos, como toda família tem.
E mesmo com todos os exageros, tem algo muito verdadeiro ali. É onde o afeto se expressa na forma que dá. Seja no bom dia com flor, na figurinha repetida ou na preocupação disfarçada de áudio longo. O grupo da família pode cansar, mas também conforta. Porque no fundo, o que todo mundo quer é se sentir incluído.
Técnicas de sobrevivência no grupo da família
Com o tempo, a gente aprende que participar do grupo da família não é só questão de estar presente, é uma habilidade social. Tem gente que domina a arte da neutralidade, o talento de responder apenas com emojis genéricos, aquele famoso “kkk” ou um simples “amém” que serve pra tudo. Tem quem apareça só em aniversários, ressurgindo do silêncio com um “parabéns, tudo de bom” e sumindo de novo como se nada tivesse acontecido. E tem os corajosos, que entram nas tretas e assumem o risco de sair bloqueados ou, pior, banidos do grupo.
Eu confesso que sou do time silencioso, mas observador. Leio tudo, dou risada sozinho, às vezes fico indignado, mas raramente comento. Aprendi que, muitas vezes, o silêncio é o melhor argumento. Porque tem coisas que não mudam, não importa o quanto a gente tente. Aquela tia vai continuar mandando fake news, aquele primo vai seguir com piadas duvidosas e a galera do bom dia nunca vai tirar folga. E tudo bem.
Também tem os recursos tecnológicos. O botão de silenciar o grupo por um ano virou meu melhor amigo. Às vezes dou aquela espiada rápida, respondo quando é necessário, mas não fico preso. E olha, isso salvou minha saúde mental. É preciso entender que não dá pra abraçar tudo, nem toda conversa merece resposta, e tá tudo certo em proteger seu tempo e sua paz.
Uma coisa que me ajudou muito foi criar filtros internos. Tipo: vale a pena entrar nesse assunto agora? Isso aqui é só desinformação ou tem alguém precisando de atenção? Porque, muitas vezes, o que parece excesso é só uma tentativa de fazer parte. Aquele áudio sem sentido pode ser solidão. A figurinha enviada repetidas vezes pode ser falta de contato. E quando olho por esse lado, o grupo muda de cor. Fica menos barulhento e mais humano.
E claro, tem os momentos bons. Aqueles dias em que todo mundo ri junto, compartilha lembranças, combina encontros, revive histórias da infância. É nesses momentos que a gente percebe que, por trás da confusão, tem um laço verdadeiro. Pode não ser perfeito, pode ser exagerado, mas é nosso.
O caos é real, mas o afeto também
O grupo de WhatsApp da família é, ao mesmo tempo, irritante e indispensável. Tem dias em que eu queria sair e nunca mais olhar pra trás. Mas aí chega uma foto antiga, uma lembrança de alguém que já se foi, uma piada interna que só a nossa família entende. E eu fico. Porque ali, no meio do caos, tem afeto.
É curioso perceber como esse espaço virou uma nova forma de convivência. Antes, as relações se mantinham no olho no olho, nas visitas, nos almoços de domingo. Hoje, a gente se encontra também por mensagens, figurinhas e áudios atravessados. E por mais estranho que pareça, isso também é convivência. A família encontrou um jeito de continuar presente, mesmo à distância.
Acho bonito quando percebo que todo mundo ali está tentando, à sua maneira, manter o vínculo vivo. Mesmo quem manda vídeo tosco, mesmo quem espalha corrente do zap. No fundo, ninguém quer ser esquecido. O grupo é, de certa forma, uma tentativa coletiva de dizer: estamos aqui. Ainda somos uma família. Ainda rimos juntos. Ainda nos importamos.
Claro que seria mais fácil se todo mundo tivesse mais noção. Se ninguém repassasse fake news, se todos respeitassem o espaço do outro, se as discussões não fossem tão inflamadas. Mas também seria menos real. Porque família é isso: um monte de gente diferente tentando se entender no mesmo ambiente. E no WhatsApp, essa diferença grita ainda mais alto.
No fim, eu guardo com carinho os exageros, os memes repetidos, os parabéns com emoji demais. Porque eles vêm de quem me viu crescer, de quem me chama de apelido antigo, de quem se importa comigo, mesmo que do jeito mais torto possível. O grupo da família é caótico, mas é um caos com amor. Um caos com cheiro de almoço de domingo. Um caos com coração.
E talvez por isso ele nunca morra. Porque mesmo nos dias em que irrita, a gente sabe que aquele grupo é nosso. É onde estão os nossos. E isso, por mais barulhento que seja, ainda é bonito demais pra ignorar.