Teve uma época da minha vida em que tudo estava dando certo no papel. Eu tinha conquistado coisas que sempre sonhei. Reconhecimento, projetos relevantes, resultados concretos. Mas, por dentro, o sentimento era outro. A cada nova conquista, vinha uma voz silenciosa dizendo: “foi sorte”. “Você não merece”. “Vão descobrir que você não é tão bom assim.” Era como se eu estivesse interpretando um papel e, mais cedo ou mais tarde, alguém fosse perceber que o ator ali era eu e não o profissional que esperavam.
Demorei muito tempo pra descobrir o nome disso: síndrome do impostor. E mais tempo ainda pra aceitar que ela morava em mim. Porque esse é o jogo cruel dessa síndrome: ela te faz sentir que o problema é você. Que é insegurança boba, drama desnecessário, falta de gratidão. E aí você se cala. Não divide, não compartilha, não busca ajuda. Finge confiança, entrega resultados, sorri nas reuniões. Mas por dentro carrega um peso enorme: o medo constante de não estar à altura, mesmo quando os fatos provam o contrário.
Essa sensação de fraude silenciosa é mais comum do que parece. Atinge profissionais incríveis, criativos brilhantes, líderes, estudantes, gente talentosa que, por dentro, vive com a impressão de que está enganando todo mundo. E o mais triste é que quanto mais você conquista, mais a síndrome se alimenta. Porque com o sucesso vem a responsabilidade. E com ela, a dúvida: “será que eu vou conseguir manter isso?” A mente cria um ciclo de ansiedade: quanto mais você prova que é bom, mais medo sente de falhar como se uma única queda invalidasse tudo.
É difícil explicar isso pra quem nunca sentiu. Porque de fora, parece frescura. Mas por dentro é um abismo. É você tentando se encaixar num molde que você mesmo criou e acha que não merece. É você vivendo como se precisasse justificar sua presença o tempo inteiro. E isso cansa. Exaure. Te impede de celebrar. Te faz duvidar até do elogio sincero. Porque a síndrome do impostor não te deixa ver quem você realmente é. Só enxerga o que falta, o que poderia ter sido melhor, o que alguém, em algum lugar, faria diferente e provavelmente melhor que você.
A síndrome do impostor não afeta só o que você sente ela afeta o que você faz. E o que você deixa de fazer. Quantas oportunidades eu já deixei passar porque achei que não era suficiente? Quantas vezes deixei de dar uma ideia porque achei que iam rir? Quantas vezes me preparei mais do que o necessário só pra ter certeza de que não iam me pegar “no pulo”? Ela não paralisa de forma escandalosa. Ela sabota no detalhe. Naquele e-mail que você revisa quinze vezes antes de enviar. Naquela apresentação onde você sorri por fora, mas por dentro tá tremendo.
O ego é seu inimigo?
E o impacto profissional disso é imenso. Você começa a viver pra provar, não pra contribuir. Você foca em agradar, não em evoluir. E aos poucos, o trabalho vira palco. Um lugar onde você precisa se sustentar o tempo todo, como se qualquer deslize fosse suficiente pra ser exposto. E não importa se você tem experiência, resultados, reconhecimento. A síndrome não respeita currículo. Ela atua no invisível. Ela te faz desconfiar de tudo que você construiu, como se nada fosse sólido. Como se tudo pudesse desmoronar a qualquer momento.
Mas não é só na carreira que ela se infiltra. Nas relações também. Porque quando você não se sente bom o suficiente, começa a desconfiar do carinho que recebe. Começa a achar que as pessoas gostam da sua aparência, do seu status, do que você representa, não de quem você é. E isso cria uma barreira. Você se protege do afeto verdadeiro com medo de ser descoberto. E nesse processo, se isola. Cria vínculos pela metade. Vive cercado de gente, mas com medo de se mostrar inteiro. E esse medo te prende num lugar frio, mesmo quando o mundo te chama com calor.
O pior de tudo é que, com o tempo, a síndrome do impostor afeta a forma como você se define. Ela começa sutil, mas vai corroendo a sua autoimagem. Você para de se enxergar com clareza. Só vê o que falta, o que tá errado, o que poderia ser mais. E o que antes era um questionamento pontual vira identidade. Vira hábito. Vira forma de viver. E isso mina sua confiança de dentro pra fora. Até que, um dia, você olha no espelho e nem lembra mais como era acreditar em si mesmo sem precisar de prova externa.
A síndrome do impostor não nasce do nada. Ela tem raízes profundas. Muitas vezes começa lá atrás, quando a gente ainda nem sabia que existia algo chamado autoestima. Pode ser uma cobrança constante dos pais, elogios condicionais do tipo “você é bom se for o melhor”, comparações com irmãos, pressão escolar, expectativas sociais. Aos poucos, a gente aprende que amor e valor estão atrelados a desempenho. E cresce acreditando que precisa entregar resultados pra merecer existir. É assim que nasce o impostor: como uma criança que aprendeu que precisa se provar o tempo todo pra ser aceita.
Eu cresci ouvindo que precisava ser o melhor. Que não bastava fazer bem, tinha que fazer melhor que os outros. Que erro era fracasso, e fracasso era vergonha. E isso foi me moldando sem que eu percebesse. A cada nota boa, um alívio. A cada nota ruim, uma crise silenciosa. E esse padrão me seguiu até a vida adulta. Em cada reunião, cada projeto, cada desafio. Não bastava dar certo. Eu precisava dar certo sem dar trabalho. Sem expor dúvida. Sem pedir ajuda. Porque, no fundo, eu achava que meu lugar ali era frágil. Que qualquer falha poderia me derrubar.
As redes sociais também alimentam esse ciclo. A gente vive cercado de sucesso aparente. Todo mundo parece confiante, realizado, pleno. Só a gente sente medo. Só a gente acorda inseguro. Só a gente trava na hora de começar. Mas é mentira. O que a gente vê é recorte. É vitrine. É personagem. E enquanto a gente se compara com essa fantasia coletiva, se afunda cada vez mais nessa sensação de inadequação. A síndrome do impostor se alimenta disso: da comparação sem contexto, da expectativa irreal, do perfeccionismo tóxico que a gente nem sabe que tem.
A solidão na era digital
Outro gatilho forte é o ambiente profissional. Lugares onde a competitividade é mais valorizada que a colaboração, onde o erro é punido em vez de ser aprendizado, onde o silêncio é interpretado como fraqueza. Isso tudo cria um terreno fértil pra síndrome florescer. E quando ela encontra um espaço onde não há acolhimento, ela se instala com força. Ela te convence de que você precisa vestir uma armadura todos os dias. E o problema é que, quanto mais você usa essa armadura, mais esquece como é viver sem ela. E aí, quando tenta ser vulnerável, sente que está nu, exposto, inseguro, frágil.
Superar a síndrome do impostor não é apagar a dúvida da noite pro dia. É aprender a conviver com ela sem deixar que ela dirija sua vida. É reconhecer a voz que diz “você não é bom o suficiente” e responder com fatos, com história, com consciência. É dizer: “eu posso não ser perfeito, mas sou capaz”. E repetir isso até virar verdade dentro. Porque a síndrome não some com um elogio ou uma promoção. Ela se dissolve com consistência. Com coragem. Com o exercício diário de se lembrar que você é mais do que os seus medos.
Uma das coisas que mais me ajudou foi começar a conversar sobre isso. Quando eu abri o jogo com outras pessoas, descobri que muita gente sentia o mesmo. Gente que eu admirava, que eu achava inabalável, também tinha dias de dúvida, noites sem dormir, inseguranças escondidas por trás de sorrisos seguros. E isso mudou tudo. Porque percebi que não era sobre ser fraco. Era sobre ser humano. E que ninguém precisa carregar isso sozinho. A vulnerabilidade, ao contrário do que o impostor diz, é força. É ponte. É cura.
Outra chave foi começar a celebrar pequenas vitórias. A síndrome do impostor nos faz minimizar nossas conquistas. Sempre parece que não foi grande coisa. Mas toda vez que a gente nega o próprio mérito, a gente alimenta o ciclo. Então comecei a anotar o que fiz de bom, o que superei, o que consegui mesmo com medo. Não pra me vangloriar. Mas pra me lembrar. Porque quando o impostor vem, ele vem com amnésia. Ele ignora todo o caminho. E eu preciso estar preparado pra responder com memória. Com presença. Com verdade.
No fim das contas, vencer essa síndrome é um processo. É uma escolha contínua de se tratar com mais compaixão, de acolher sua própria história, de se permitir crescer sem se sabotar. É olhar pra dentro com mais gentileza. E entender que você não precisa ser perfeito pra merecer estar onde está. Você só precisa ser honesto. Com você mesmo. Com seu caminho. Com seus limites e talentos. E é nesse lugar, entre a coragem de tentar e a liberdade de falhar, que mora o verdadeiro sucesso: aquele que não depende do outro pra ser sentido, só de você.